Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
Pesquisar neste blogue
domingo, 8 de junho de 2025
Guiné 61/74 - P26897: Parabéns a você (2385): João Gabriel Sacôto, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 617/BCAÇ 619 (Bissau, Catió e Cachil, 1964/66)
Nota do editor
Último post da série de 6 de Junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26889: Parabéns a você (2384): Belarmino Sardinha, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista - STM/CTIG (Mansoa, Bolama, Aldeia Formosa e Bissau, 1972/74)
terça-feira, 20 de maio de 2025
Guiné 61/74 - P26819: Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo) - Parte II: De Lisboa a Bissau, no T/T Uíge

Já aqui publicámos cinco postes com a sua versão dos acontecimentos do 25 de Abril de 1974, em Bissau (*). São excertos de um livro de memórias que ele tem em preparação, ainda sem título (definitivo). E que quer continuar a partilhar connosco.
Noite sim, noite sim, na pândega, fui vivendo aqueles dias de «férias». Finalmente, a viagem para Bissau ficou marcada para domingo, 25 de fevereiro de 1973, no paquete Uíge.
Sábado, foi arrumar a mala e ultimar os preparativos para a viagem, dormi no Quartel de Adidos, em Belém. Domingo logo cedo, nem houve tempo para o pequeno-almoço, foi logo formatura e «chamada» da malta que ia embarcar.
Dada a ordem para o embarque, eu não quis esperar muito, decidido, abracei a minha tia e o meu primo, despedimo-nos, apanhei a bagagem… dirigi-me às escadas do barco. O paquete Uíge era um barco grande, sobretudo muito alto… ao subir as escadas, notei, centenas de serpentinas lançadas ao vento, balançavam e faziam um som estridente…
(#) Não posso publicar o livro integralmente são apenas extractos… Por isso, apenas posso dizer agora, que depois de muitas peripécias e flashes da vida nocturna lisboeta… e ocorrências insólitas nesse cabaré… Foi uma noite de luxo, com Whisky, etc. e tal…. Até que…. saídos do tal cabaré...
Às 16 horas, sou de novo acordado pelo toque de refeição da corneta. Bolas, devem ter-se enganado, o jantar é com certeza às 7 ou 8 horas, o que se passa? Mas, ordens são ordens, levantei-me da cama e saí. No corredor, ouço dizer que é hora do lanche! Fomos, ao salão, encontramos mesa posta: bolos, bolachas, sumos, chá e café… garçons a servir! Nada mau! Voltamos a comer!
Depois do jantar, fez-se a leitura da “Ordem do Dia”. Recorde-se, estamos num quartel flutuante, tudo se passa como em qualquer quartel. Soube então que haveria projecção de filme no convés e que durante a viagem não haveria toques de recolher e nem de alvorada, apenas os toques à refeição.
Estava assim estabelecida a rotina da viagem, a que se juntou nos dias seguintes, uma jogatina de cartas e de dados, pelos «praças» no convés. Dezenas de grupos de quatro a seis soldados apostavam e jogavam, ouviam-se risadas, gritos quando alguém ganhava, discussões quando havia desconfianças de enganações… Os oficiais e sargentos apenas observam, para não dar confiança e atrevimento aos subordinados, mas, alguns, à socapa também apostavam.
No terceiro dia de viagem comecei a sentir o calor tropical, imaginei que estaríamos a aproximar do mar de Cabo Verde. Comecei então a tomar banhos de sol, ia só de calções para o convés, estendia-me, imaginava estar numa das praias do meu distante S. Vicente… Os outros imitaram-me, logo, todo o mundo também estava de calções e sem camisa a tomar banhos de Sol!
Foto (e legenda): © João Sacôto (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Notas do editor:
- 45 € (1963),
- 39 € (1966),
- 32 € (1969),
- 25 € (1972),
- 22 € (1973),
- 18 € (1974),
- 15 € (1975).
Fonte: Pordata > Simulares > Simulador de Inflação.
domingo, 8 de setembro de 2024
Guiné 61/74 - P25921: Memórias de um artilheiro (José Álvaro Carvalho, ex-alf mil, Pel Art / BAC, 8.8 cm, Bissau, Olossato e Catió, 1963/65) - Parte VIII: Uma voltinha de Alouette II
Guiné > Região de Tombali > Catió > CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como e Cachil, 1964/66) > Alouette II > "O meu batismo em heli".
Foto (e legenda): © João Sacôto (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
O tempo continuava mole, quente e húmido. Nessa manhã não tinham atribuído missões ao alf mill art Carvalho e não lhe constava que houvesse tropas em operação que fosse preciso apoiar.
O pessoal vagueava por perto. Foi almoçar à messe. A seu lado um piloto de helicóptero disse-lhe:
− Vou reabastecer à sede do seu batalhão. Se quiser pode vir. Não demoro mais do que duas horas.
Aceitou a oferta para trazer mais alguma roupa e outras faltas que com a pressa não tinha podido arranjar.
Gostou de ver o quartel que,apesar do aspeto degradante que tinha, era bem melhor do que o acampamento em que o pelotão se encontrava havia 2 meses.
No regresso avistaram uma gazela macho de muito bom aspeto, num local com pouca floresta rodeado de mata com lama e circundado por um canal. A gazela queria fugir do helicóptero mas só nadando através do canal. o que não quis fazer para não cair na boca de algum crocodilo, de modo que se limitou a correr desabrida à volta da clareira à procura de uma saída.
Um pouco mais á frente avistaram,, ao abrigo duma árvore grande, vários guerrilheiros que, ao verem o helicóptero, cuja presença já tinham decerto notado, pelo ruído, começaram a disparar as armas na sua direção.
Último poste da série > 1 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25901: Memórias de um artilheiro (José Álvaro Carvalho, ex-alf mil, Pel Art / BAC, 8.8 cm, Bissau, Olossato e Catió, 1963/65) - Parte VII: "Carvalhinho, você ainda me mata algum homem, temos tropas na mata! " (ten cor Fernando Cavaleiro, cmdt da Op Tridente)
quarta-feira, 31 de julho de 2024
Guiné 61/74 - P25797: (De)Caras (214): Cecílica Supico Pinto: a "líder carismática" do Movimento Nacional Feminino, com acesso privilegiado a Salazar, que veio preocupadíssima com a situação na Guiné, na véspera do 25 de Abril de 1974
Foto nº "34. Cilinha no porto de Lisboa na despedir-se de militares que partiam para as 'províncias ultyramarinas'. O MNF apoiava moralemnet os soldados na frente de batalha, mas não esquecia o apoio às famílias que ficavam na retaguarda. (Arquivo do Diário de Notícias)".
Foto nº "37. Acompanhada pela Comissão Central do MNF, Cilinha fala aos jornalsitas sobre as atividades do Movimento" (Serviço do Arquivo de Lisboa / DGARQ / CPF/ MC / SEC / AG/01- 171/1546AR.)" (A Renata Cuha e Costa, vice-presidente do MNF, é a terceira a contar da direita.)
Fot nº "33. O presidente da Câmara de Lisboa, general França Borges,com algumas senhoras do MNF. dirante a receçãpo que lhes ofereceu em Montes Claros por ocasio do primeiro congresso daquele organismo, 1966. (Serviço do Arquivo de Lisboa / DGARQ / CPF/ MC / SEC / AG/ 01- 171/1586AR.)"

(...) "O Dr. Salazar gostava que eu lhe contasse tudo o que via e ouvia e acreditava em mim porque sabia que eu não tinha medo de lhe dizer a verdadae, doesse a quem doesse! No fim dizia-me sempre: 'Para que quer a menina que eu vá a Angola se a menina ma traz aqui? ' " (..:)
Não duvidamos da autencidade desta confidência: Cecília Supico Pinto não foi "la Pasionaria" do regime salazarista, mas podia tê-lo sido... Tinha, inegavelmente, algumas qualidades pessoais, como por exemplo a liderança carismática, o charme, a elegância, a educação, a coragem, a coerência, a dupla elevação (física e moral) de algumas (poucas) mulheres da elite portuguesa da época: por exemplo, era mais alta que muitos homens e que a generalidades das mulheres portuguesas... (Vejam-se as fotos acima.)
De qualquer modo, o que nos chamou mais atenção, nesta seleção de fotos que tomámos a liberdade de fazer (com a devida vénia à Sílvia Espírito-Santo) foi a legenda da foto nº 34, que serve de imagem da capa do seu livro.
Por mensagm de 22/07/2024, 08:31, o João Sacôto, ex-alf mil at inf, CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, 1964/66), legendou a fot0 nº 34, do seguinte modo:
"Nesta fotografia estão: da esquerda para a direita: (i) o comandante do Batalhão de Caçadores 619, coronel Matias; (ii) o alf mil Montes (da CCAÇ 616, que foi para Empada); (iii) outro alferes, da CCAÇ 616 de que não me lembro o nome; (iv) a D. Cecília Supico Pinto; (v) outra cara desconhecida; (vi) o major Jesus Correia, 2º. comandante do BCAÇ 619; (vii) e finalmente outra cara de que me não recordo."
Falando ao telefone, com o meu amigo e vizinho de Ferrel, Peniche, Joaquim Jorge, ex-alf mil da CCAÇ 616 (Empada, 1964/66), ele confirmou que o Montes foi seu camarada: Fernando Paulo Montes, mais tarde médico de clínica geral, no SNS. Vivia em Sesimbra, chegou a ir aos primeiros encontros anuais da malta. Depois perdeu-lhe o contacto. Já morreu, infelizmente, de cancro.
2. O Joaquim Jorge também me confirma, para surpresa minha, que a Cilinha esteve em Empada em 1964 ou 1965, "já uns meses depois de o batalhão ter chegado". Não podia ter sido em 1966, uma vez que o BCAÇ 619 embarcou para Lisboa, a 27 de janeiro. Até agora, só tínhamos referenciado quatro visitas da "Cilinha" à Guiné: 1966, 1969, 1973 e 1974.
A Guiné será, entretanto, a última visita que ela fará, ao serviço do Movimento Nacional Feminino, já a escassas semanas do 25 de Abril de 1974. Foi lá que tomou contacto com o livro do general Spínola, "Portugal e o Futuro" (que achou "nada de especial nem sequer bem escrito") (pág. 182).
Veio de lá com sentimentos contraditórios, tendo de imediato partilhado, ao telefone, com o Ministro da Defesa, Silva Cunha, os seus temores:
(...) As coisas não estão nada brilhantes, venho preocupadíssima da Guiné, também estive em Angola e Moçambique, o senhor sabe que eles comigo abrem-se e não fazem qualquer cerimónia. E vou dizer-lhe mais, eu parece-me que não sou uma pessoa com falta de coragem, tenho andado debaixo de fogo,tenho ido aos sítios mais complicados, mas não tenho é vocação para mártir e ou vocês fazem realmente qualquer coisa, realizam que isto está muito grave ou isto acaba mal. Como lhe digo não tenho vocação para mártir" (...) (Cecília Supico Pinto, Cascais, 22 de novembro de 2004, em entrevista dada à Sílvia Espírito-Santo, op. cit., 2008, pág. 183.)
Contrariamente a Salazar, de quem era íntima (e por isso amada e odiada dentro do próprio regime), a "Cilinha" não manteve com Marcello Caetano a mesma relação pessoal de mútua admiração e confiança. "Salazar era mais forte que Marcelo" (pág. 178).
Nota do editor:
Último poste da série > 20 de julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25765: (De) Caras (304): Não conheci pessoalmente o cap inf Manuel Aurélio Trindade, último cmdt da 4ª CCAÇ e primeiro cmdt da CCAÇ 6 (Rui Santos, ex-alf mil, 4ª CCAÇ e CIM Bolama, Bedanda e Bolama, 1963/65)
sábado, 20 de julho de 2024
Guiné 61/74 - P25763: (De) Caras (303): O ex-alf mil art, José Álvaro Carvalho, o "Carvalhinho", novo membro da Tabanca Grande, em Catió, em 1964, com um grupo de oficiais na receção à delegação do Movimento Nacional Feminino (João Sacôto, ex-alf mil, CCAÇ 617/BAÇ 619, 1964/66, cmdt ref TAP)
Caro Luís, boa tarde. Eu e o artilheiro José Álvaro Carvalho (ex-alf mil, Pel Art / BAC, 8.8 cm, Bissau, Olossato e Catió, 1963/65), o 'Carvalhinho', vivemos de 64 a 65 em Catió. Ele era um ótimo fadista e fazia lembrar o velho fadista 'Marceneiro'. Falei agora com outro alferes da minha CCAÇ 617 em Catió, o Gonçalves, que também se lembra e com saudade das horas passadas a ouvir o inesquecível 'Carvalhinho'.
PS1 - Envio duas fotografias tiradas em Catió em 1964 ou 1965: (i) O José Carvalho é o 5º a contar da esquerda, eu sou o 2º. (ii) O José Carvalho é o 1º, do lado esquerdo; eu sou o 4º, contar da direita... Em momento de descontração na messe de oficiais em Catió.(*)
PS2 - Outra fotografia com o José Alvaro Carvalho em Catió 1964 na receção ao Movimento Nacional Feminino; o "Carvalhinho" é o primeiro a contar da esquerda.
quinta-feira, 18 de julho de 2024
Guiné 61/74 - P25757: Memórias de um artilheiro (José Álvaro Carvalho, ex-alf mil, Pel Art / BAC, 8.8 cm, Bissau, Olossato e Catió, 1963/65) - Parte III: Desobstruir uma ponte ao km 28 da estrada do Olossato
Foto nº 2 > O José Carvalho é o 1º. do lado esquerdo, eu sou o 4º. a contar da direita... Em momento de descontração na messe de oficiais em Catió.
Fotos (e legendas): © João Sacôto (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
![]() |
José Álvaro Carvalho ("Carvalhinho") (em 1º plano, à esquerda) e João Sacôto, em 2º plano, à direita) |
![]() |
Catió, 1964 > João Sacôto, o 1º à esquerda; o "Carvalhinho", o último, à direita. |
2. O José Álvaro Carvalho, 85 anos, natural de Reguengo Grande, Lourinhã, entrou recentemente para o nosso blogue, sentando-se à sombra do nosso poilão no lugar nº 890 (*).
Com 26 meses de tropa, o alf mil art Carvalho acabou por ser moblizado para o CTIG por volta da primavera de 1963, não sabe precisar a data. Foi render um alferes de uma companhia de intervenção, de infantaria, sediada em Bissau. Com o ataque a Tite, na região de Quínara, em 23 de janeiro de 1963, o PAIGC tinha aberto mais uma frente, na "guerra do Ultramar", a seguir a Angola.
O nosso camarada deve ter cumprido mais uns 26 ou 27, no CTIG, entre o primeiro trimestre de 1963 e o início do segundo semestre de 1965. Passou por Bissau, Olossato, Catió e a ilha do Como, aqui já a comandar um Pel Art / BAC, obus 8.8 (a duas bocas de fogo), com que participou na Op Tridente (jan-mar 1964).
Pelas nossas contas (e apenas com base dos livros da CECA), essa companhia para a qual ele terá ido, inicialmente, em rendição individual, pode ter sido a CCAÇ 273 (mobilizada pelo BII 17, Angra do Heroísmo): esteve no CTIG desde janeiro de 1962 e acabou a comissão em janeiro de 1964. (Nessa altura, a comissão na Guiné era de 24 meses.)
3. Do autor do "Livro de C" (Lisboa, Chiado Books, 2019, 710 pp.), encontrei esta autoapresentação:
Após um ano a trabalhar em várias atividades, fui chamado para o serviço militar, que cumpri, dois anos cá e outros dois em África. No regresso casei, e concluí que escrever não me permitiria sustentar a família, mais uma vez, esta tarefa foi adiada, até chegar à idade da reforma, quando finalmente comecei a fazê-lo.
Ganhei o vicio de ler com o meu pai, tendo sido muito influenciado pelos escritores que tive a ocasião de conhecer. Entre muitos, lembro-me dos livros do americano Mark Twain, depois dos de John dos Passos, também americano, mas de ascendência portuguesa, o que mais influenciou a minha forma de escrever, seguido por William Faulkner, também Norte Americano e outros com a mesma origem. Seguiram-se os nacionais, a começar por Gil Vicente, e os brasileiros, principalmente Jorge Amado. Quanto aos russos, Dostoievky que li em tenra idade (Crime e Castigo), impressionou-me, fortemente, até hoje." (...)
O "Livro de C", classificado pela editora como "não-ficção", é um género difícil de arrumar nas prateleiras das nossas bibliotecas. É um misto de ficção histórica com material memorialístico (guerra na Guiné, aventuras em Lisboa, Angola e Ártico): "Meu pai sempre me chamou por C. Sendo esse o nome que dei ao livro" (pág. 5).
"Há 3 dias sofremos uma flagelação, no seguimento da qual foi efetuado um reconhecimento à volta da povoação. Encontraram-se rastos de sangue.
O informador B comunicou que continuam a passar grandes quantidades de abastecimentos e homens em K [?] nas margens do rio C [acheu]
Apesar das ordens recebidas para não nos afastarmos da povoação mais do que o indispensável para não por em risco a sua segurança, porque julgo que uma secção do destacamento a consegue defender durante algumas horas, decidi atacar K. , como acção de flagelação ao inimigo, semelhante a algumas que já temos efectuado, ainda que mais perto.
Partimos às 0 horas da madrugada do dia... com 3 viaturas pesadas e 1 ligeira. Além do equipamento habitual. levamos 1 metralhadora e 1 lança roquetes. Às 4 horas encontrámos a estrada principal que liga M[Mansabá] a K. Deixámos os carros escondidos e avançámos a pé.
O ataque foi iniciado por volta das 6 horas, tendo terminado 15 minutos depois. Foram confirmadas 4 baixas inimigas e recolhidas as respectivas armas.
Destruímos 10 canoas, 2 barcos de borracha e 1 depósito com munições e abastecimentos.
Chegámos ao aquartelamento por volta das 11 horas do mesmo dia."
Entrou na única loja que existia na povoação.
− Boa tarde, senhor alferes.
− Boa tarde.
− O que é o lanche?
− Ostras.
O homem seguiu para as traseiras da loja, seguido pelo alferes. No quintal uma mulher negra abria ostras nas brasas dum fogareiro a carvão.
No meio do quintal, à sombra duma velha árvore, estava posta a mesa com 2 bancos, a toalha, dois pratos e duas tigelas de sumo de limão com piri-piri.
A mulher cumprimentou o alferes, retirou as últimas ostras do lume para uma travessa que colocou na mesa e retirou-se.
Sentaram-se os dois e começaram a comer.
− O chefe de D [ ?] confirmou hoje que o agrupamento inimigo destinado a esta zona estaciona junto à aldeia que fica em frente à sua, na margem Sul do pântano que as separa, a cerca de 8 kms. e que os habitantes desta, os apoiam abertamente fornecendo-lhes arroz e vindo aqui comprar-lhes mantimentos como fósforos, sal, lanternas eléctricas, tabaco, etc. Disse ainda que os chefes desse acampamento, costumam frequentá-la principalmente nos dias de festa e que cada um tem uma rapariga com quem dorme quando lá vai.
− As ostras estão muito boas.
− Nem sempre se arranjam assim.
Depois do lanche, a caminhar na estrada para o aquartelamento, pensava que devia lutar de novo para criar uma milícia de defesa civil armada, talvez com base na que já existia embora desarmada. Fora organizada pelo velho poliíia africano e 3 subalternos a quem em tempo de paz estava entregue o policiamento da região.
Esta organização de polícia estava debaixo do seu comando e passou a encarregar-se de vigiar a povoação mantendo-a rodeada de dia e de noite de elementos da sua confiança, que se revezavam e tinham por missão informar o destacamento da ocorrência de qualquer infiltração inimiga na aldeia e fugir em seguida.
Utilizavam uma senha que era mudada com frequência para dar o alerta.
Já tinha tentado armar estes homens e dar-lhes mais alguma recompensa, além da habitual, que , como a dos informadores, consistia no pagamento de abastecimentos na loja, até montantes que combinava com o gerente.
O pelotão era rico. Sobrava-lhe dinheiro por não haver géneros frescos para comprar, principalmente carne, e a dotação ser generosa. Valia-lhe isso, abandonado e esquecido nos confins do território da guerrilha.
Um acampamento inimigo com oito grupos de 10 homens armados a 7 kms de distância, era preocupante.
Completou o relatório semanal com as informações que recebera do gerente da loja e disse ao soldado operador de transmissões:
− Envie este relatório ao comando da companhia.
Durante a noite, a chuva continuou a cair apesar do inicio da época seca. Os sapos coaxavam em sinal de trégua. Os pássaros noturnos gritavam no mato próximo.
Uma coluna militar motorizada, entrou na aldeia e parou no aquartelamento. Chamaram-no da porta. Veio ainda espantado pela visita. A primeira desde que ali estava.
Da primeira viatura saiu um alferes que conhecia e convidou para tomar uma bebida. Conversaram sobre o que se passava na zona, de copo na mão. O pelotão de passagem estava instalado na povoação a norte do rio C [acheu] para onde o seu se dirigia quando foi desviado [Bigene] .
O Alferes disse-lhe:
− Quem é um fulano às direitas é o Oficial da Marinha comandante da lancha que patrulha o rio C[acheu],
Sem me conhecer de lado nenhum, há dias atracou a embarcação no cais de B [igene], mandou-me chamar e ofereceu-me um dos melhores jantares que já comi.!
Não disse nada mas pensou:
− Este jantar era meu!
Despediram-se e o pelotão partiu.
Alguns dias mais tarde. Chovia. Deus resolvera inundar a terra. O céu, cinzento, baixo, estava ao alcance da mão. Na floresta próxima não se sentia qualquer sinal de vida. Uma coluna militar de cinco viaturas ligeiras, entrou no aquartelamento. Vinha da sede do batalhão. O alferes que a comandava coberto por uma capa impermeável, saiu da primeira viatura e entrou no celeiro de amendoim que servia de aquartelamento. Os soldados seguiram-lhe o exemplo e entraram na divisória que servia de refeitório com os habituais ruídos de satisfação de quando se encontra um conterrâneo em ambiente remoto e longínquo.
Cumprimentaram-se.
O Alferes disse:
− Trago ordens do novo comandante do batalhão [?] para destruirmos o acampamento inimigo de F [ ?]. que pertence à tua zona.
Respondeu :
− Quer brilhar e quem se fode somos nós. O acampamento de F [ ?] tem 8 grupos de 10 homens bem armados e não muito longe há outro acampamento semelhante que facilmente pode ajudar. Os nossos dois pelotões juntos não chegam a perfazer 40 homens. Não podemos beneficiar da surpresa, porque estes acampamentos são bem disfarçados na floresta densa. Com a excepção de um, todos os trilhos são falsos. Mesmo os melhores guias têm dificuldade em orientar-se. Tudo isto já foi descrito por mim nos relatórios que tenho vindo a enviar regularmente, para o comando da companhia, mas isto é uma merda de guerra.
Fez-se noite e continuava a chover. Passado algum tempo disse:
− Penso que o comando do Batalhão já podia brilhar se lhe entregássemos um ou dois prisioneiros importantes.
−Não sei. O comandante chegou há dias, traz muito prestígio e está cheio de gás para ganhar a guerra.
Ainda chovia. Decidiu ir pela primeira vez à aldeia onde o chefe e os dois filhos eram os seus melhores informadores. Era arriscado, mas não podia contactá-los doutra forma. A aldeia estava muito perto do acampamento inimigo, que o comando do Batalhão mandava atacar e duma outra povoação na qual este acampamento se apoiava e podia ser considerada também inimiga.
Aquela aldeia era terra de ninguém onde o inimigo já fizera varias sessões de mentalização embora a população lhe continuasse a ser hostil, apesar de desarmada e indefesa. Era uma aldeia pequena e de pouca importância como tantas outras, á qual não era possível garantir segurança e o único amparo que dava era a oferta de abastecimentos pagos na loja da povoação e também remédios fornecidos na mesma ocasião.
Tentou criar uma milícia indígena armada, e, no caso desta aldeia, executar uma vedação de arame farpado a toda a sua volta, e trincheiras nos pontos fundamentais, mas a cavalgadura do capitão que comandava a defesa civil respondera-lhe:
− Isso de armas para indígenas é muito complicado.
Viria a ser mais tarde incendiada num acto de retaliação da guerrilha e a população obrigada a refugiar-se numa pequena cidade ao Norte. Assim se foram entregando as populações a um destino duvidoso.
À chegada, deixou o carro com o motorista ainda longe e seguiu com outro soldado até á povoação na direcção do terreiro central onde entrou. Debaixo dum coberto de colmo sustentado por troncos de madeira, à volta duma fogueira, embrulhados em panos, estavam vários homens entre os quais conheceu o chefe e os dois filhos. Com a habitual fleuma que os caracterizava, não mostraram qualquer espanto pela sua presença como se já o esperassem há muito.
Entrou e disse ao Chefe:
− Preciso de saber se está hoje alguém importante a dormir em T [?] .
Ao que este respondeu no seu crioulo arrastado:
− Há vários dias que dormem lá dois comandantes que estão de visita à zona. Já estiveram aqui com uma grande conversa acerca da guerrilha.
Agradeceu e foi-se embora como chegara.
Faltavam duas horas para o romper do dia. Os dois pelotões saíram com todos os carros do aquartelamento. Passados dois kms as viaturas reduziram a marcha, o pessoal saltou em andamento e embrenhou-se no mato. Os carros andaram mais um km e estacionaram. Era aí o ponto de encontro.
Caminhavam lentamente, sem ruído, em fila indiana no estreio trilho do mato cerrado. por onde o guia os conduzia. Chegaram próximo da povoação de B [ Binta ?] que se situava no cimo duma pequena colina. Dispersaram-se e iniciaram o cerco. Não havia sentinelas. Foi montada uma emboscada na direcção do acampamento que a povoação apoiava.
Surgiam os primeiros sinais de claridade quando foi informado pelo rádio de que estava tudo a postos. Confirmou com o outro alferes e deu a primeira rajada de tiros para o ar.
Notou-se alguma confusão de movimentos rápidos dentro da aldeia, ruídos confusos, desordenados, cães que ladravam aflitos, vozes, gritos, e dois homens armados saíram na direcção do acampamento da guerrilha. Foram apanhados na emboscada e aprisionados.
Trovejava. A luz intensa dos relâmpagos iluminava tudo de branco. Pouco depois o som espantoso da fúria dos elementos fazia-se ouvir. Anoitecera há pouco. Quase por milagre a rádio funcionava e estava a transmitir uma mensagem codificada. Vinha do comando do batalhão e ordenava-lhe que fosse desobstruir uma ponte ao Km 28 da estrada de O [lossato] onde por reconhecimento aéreo fora referenciada uma grande quantidade de arvores derrubadas.
Esta estrada, que atravessava varias zonas pantanosas, e de muitas linhas de água, tinha todas as pontes e pontões principais nesta situação desde que a guerrilha entrara em actividade na região. Era a espinha dorsal dum território que o inimigo já considerava como seu, e defendia com unhas e dentes. A ponte referida estava muito próximo já referido acampamento inimigo com oito grupos de 10 homens.
Não havia qualquer utilidade naquela operação de elevado risco para a vida de vários militares sem qualquer beneficio aparente.
Pensou logo que aquela ordem era o resultado da inexperiência do piloto aviador responsável pelo reconhecimento e do Comandante de Batalhão que chegara havia dias e queria brilhar.
Não formava grande opinião acerca de alguns oficiais do quadro permanente que - salvo algumas excepções - se comportavam de forma desmotivada, quando não pareciam morrer de medo quando se punha a hipótese de saírem dos aquartelamentos em operações, ou mantinham um comportamento ilógico, teatral, que conduzia geralmente a erros graves.
Parecia que eram sempre conduzidos por más informações ou informações mal digeridas, como naquele caso que reunia as duas situações.
Ainda não amanhecera. A manhã devia tardar, porque o céu se encontrava ao alcance da mão. As nuvens negras e apressadas roçavam o telhado das casas e a copa das arvores da floresta reduzindo-lhe o ruído nocturno.
Era madrugada mas já o calor húmido entrava nos ossos. O pelotão depois dos últimos preparativos para cumprir a missão de que fora incumbido formou com os dois guias junto das viaturas e aguardava a sua vinda.
Chegou e ao mesmo tempo que caminhava à frente dos homens, disse:
− Como já sabem todos vamos desobstruir a ponte ao Km 28 da estrada de O [lossato]. Seguimos dentro do possível com as viaturas a corta mato - ainda não há minas nas estradas mas não deve faltar muito -. Dentro de duas horas amanhece. A ponte fica a sete quilómetros daqui. Devemos lá chegar ao romper da manhã. Como de costume, sempre que os carros pararem por qualquer razão todos se abrigam rapidamente na floresta e montam a segurança de acordo com as instruções do respectivo Furriel. Em caso de contacto com o inimigo não há tiros desordenados. Só se abre fogo à minha ordem ou do respectivo Furriel. Por cada tiro desordenado tem que aparecer um inimigo ferido ou morto.
Depois de desobstruirmos a ponte, se estiver destruída como julgo, tentamos passar a linha de água a vau, com a ajuda dos guinchos das viaturas, para não regressarmos pelo mesmo caminho. Neste caso vamos ter que andar 40 Kms. com pequenas linhas de água que conseguimos atravessar, para voltar aqui . Penso que o inimigo ao tomar conhecimento de onde estamos, montará uma emboscada no caminho do regresso por parecer improvável passarmos o rio a vau com as viaturas.
No sentido Sul, o sentido do nosso caminho, esta é a ponte mais importante da estrada de O [lossato]. o resto para sul, são pequenos pontões que julgo não estarem obstruídos e se estiverem, deve ser possível atravessá-los facilmente. Podemos partir. Boa sorte.
Depois de cada um ter subido para o seu lugar, as viaturas iniciaram a marcha lentamente na direcção do Nascente. Ia na da frente ordenando ao motorista que seguisse pelos trilhos precários que os guias lhe iam indicando. Durante duas horas, lutaram com o calor, os mosquitos, procurando sentir os mais leves indícios de contacto com o inimigo.
Perto da ponte ordenou que o pessoal se apeasse e avançasse disperso e que os carros saíssem da estrada e avançassem a corta-mato. Tinha medo das minas anti-pessoal e outras armadilhas. Já tinham aparecido algumas mais a Sul . [A primeira mina A/C, IN, desta guerra terá sido acionada pelas NT na estrada São João - Fulacunda, na região de Quínara (LG)].
Quando finalmente chegaram, constatou que fora destruída com explosivos e obstruída nos dois sentidos com troncos derrubados. Parte do, pessoal montou a segurança, emboscado a alguma distancia em locais de provável acesso. Tudo era feito com precaução e o menor ruído possível. O restante pessoal removeu com os guinchos dos carros os grandes troncos que obstruíam a estrada na margem Norte. Quanto à estrutura da Ponte, destruída com explosivos, não havia meios nem tempo para a reparar .
Num local a Nascente da Ponte, onde a linha de água alargava e a profundidade parecia menor, atravessou a pé para ver a altura da agua e a consistência do terreno. Enterrou-se até à cintura, mas conseguiu passar parecendo-lhe possível que aí a coluna atravessasse a vau para a margem Sul. A profundidade da corrente era pequena e a zona de terreno lamacento até se chegar à água ou dela sair também não era muito profunda nem extensa.
Escolheu na margem Sul uma arvore sólida e dimensionada. Mandou envolvê-la num cabo de aço com 12mm de espessura e argolas nas extremidades a ligar com manilha. Mandou puxar a corda ligada ao cabo do guincho do Unimog ( a viatura mais ligeira da coluna) que se começou a desenrolar até chegar à arvore que envolveu e o gancho da extremidade deste cabo engatar na manilha que o prendeu. Em seguida mandou a viatura avançar com todas as reduções e tracções metidas. Ao mesmo tempo que o guincho se enrolava a viatura inclinou-se na direcção da água com as rodas a patinar na lama, lentamente até chegar à outra margem.
Com a ajuda do guincho deste carro e dos guinchos próprios, os camions GMC foram passando com maior ou menor dificuldade, sendo depois afastados os troncos que obstruíam a estrada nesta margem.
Meteram-se então a caminho para sul para atingir o aquartelamento daí a 40 Kms.
Estava o Sol a pôr-se quando chegaram. Aguardavam-no o cabo cipaio da policia indígena e um guia, que o informaram de que a cerca de 3 Km, vários grupos de guerrilheiros num total de algumas dezenas de homens, tinham montado uma emboscada no caminho de regresso, e ainda aí se encontravam a aguardar a passagem do pelotão.
Depois de lhe identificarem o local da emboscada numa zona baixa, pantanosa que a estrada atravessava, ordenou ao furriel responsável pelo paiol de munições que lhe fornecesse o morteiro pequeno e seis munições e depois a uma secção armada somente de granadas de mão que o acompanhasse numa viatura. Andaram algum tempo na estrada, esconderam o carro no mato e a pé, cada homem com uma munição do morteiro, um furriel com a base , o guia com o tubo e ele com o aparelho de pontaria, pediu ao guia que os levasse a uma zona sobrelevada donde se avistasse toda a área da emboscada, e, aí chegados, o, morteiro foi rapidamente armado e disparadas de forma dispersa todas as granadas para o local onde lhe parecia mais provável que estivesse a maior concentração de homens.
Ouviram-se na zona disparos em todas as direcções por não saberem donde lhes vinha aquela desgraça. O morteiro foi de novo desarmado e regressaram rapidamente ao aquartelamento, enquanto tiros e rajadas de metralhadora sem sentido se continuavam a ouvir na zona da emboscada. (...)
(*) Vd. poste de 26 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25684: Tabanca Grande (560): José Álvaro Almeida de Carvalho, ex-alf mil art, Pel Art / BAC, obus 8.8 m/943 (1963/65) , adido 14 meses ao BCAÇ 619 (Catió, 1964/66): senta-se no lugar nº 890, à sombra do nosso poilão
12 de julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25737: Memórias de um artilheiro (José Álvaro Carvalho, ex-alf mil, Pel Art / BAC, 8.8 cm, Bissau, Olossato e Catió, 1963/65) - Parte II: 15 minutos, de ferro e fogo, no K3, em meados de 1963